Papai sempre foi apaixonadíssimo por ela. Um dos seus grandes orgulhos – como se fora uma vestal – era a fidelidade conjugal que sempre manteve. Nunca, nunca mesmo, olhou para outra mulher. Após ter casado com mamãe, era como se todas as mulheres do mundo tivessem morrido para ele.
Tinha um ciúme imenso de mamãe; era muito possessivo. De nada adiantava, pois mamãe, com seu temperamento firme, fazia o que queria e bem entendia e não dava a mínima para ele e para ninguém. Ele reclamava quando ela vestia calças compridas ou quando se arrumava toda – de meias de nylon e salto agulha número 9 – para ir ao chá das mulheres dos militares ou a um aniversário. Ela empinava a cabeça, gesto muito seu, e saía numa boa, tipo “azar o seu que não vai comigo.”
Quando ele faleceu, pensei: bem, agora ela vai poder sair bem muito, ir para os chás, os aniversários e a casa de suas amigas sem ninguém para ficar reclamando. Pois deu-se o inverso. Acabaram-se os chás, os aniversários, tudo... Ela não suportava mais as pessoas, que para ela eram umas tolas, uma fúteis, que só diziam besteira etc etc etc. Ora, mas eram exatamente as mesmas pessoas...
Quando recordei o que ela me disse, enfaticamente, três meses depois de ele ter morrido: “A solidão é um fato”, foi então que “caiu a ficha”. Ela sempre viveu em função dele. Ela se aprontava para ele. Ela saía toda arrumada exatamente para ele reclamar e ela ter certeza de que estava linda, maravilhosa. Ele era o estímulo da vida dela, aquele que a achava bonita e tinha ciúmes porque a amava. Quando ela perdeu seu esteio, todas as coisas da vida também perderam o sentido. Sua saúde começou então a decair progressivamente, vindo a resultar nos sérios problemas atuais. Diagnóstico: uma doença longa, terrível e incurável, chamada solidão...
Isto tudo lembrou-me a História do Balde, que ouvi há muitos anos atrás e que gostaria de repassar para você.
A História do Balde
Nos idos de 1990, fui ao hospital visitar um amigo que estava muito mal. Foi ali, na conversa de quarto do doente, que conheci dona Eulália*, tia do meu amigo. Desinibida e expansiva, lá pelas tantas, contou-nos algo que havia acontecido com ela, e que eu, com minha mania de a tudo denominar, dei-lhe o nome de A História do Balde, que segue-se:
Freqüentadora assídua do movimento Encontros de Casais com Deus, promovido pela Igreja Católica, dona Eulália foi convidada pelo padre de sua paróquia para falar no Curso de Noivas sobre o casamento. Muito honesta e despachada, respondeu-lhe: “Padre, eu não posso fazer isto, porque, se eu for lá, haverei de dizer todas as verdades sobre o casamento e ninguém mais desejará se casar.” O padre: “Eu não quero, de jeito nenhum, que a senhora minta. Mas, quais são estas verdades, minha filha?” Dona Eulália prontamente respondeu: “Eu direi que o casamento é uma balde cheio de m_ _ _ _ de cima até embaixo, com um dedinho apenas de mel em cima. E quando acaba o mel, fica só a m_ _ _ _ .”
O padre, com aquele sábio olhar de quem é conhecedor da natureza humana, disse-lhe: “Vá, minha filha, vá e diga-lhes exatamente isto, mas não se esqueça de dizer a elas que segurem bem firme na aseia** do balde para não perdê-lo, porque, sem ele, a vida é muito mais difícil.”
Moral da história, sob o meu ponto de vista: No relacionamento de casal, de amigos, de pais e filhos, de familiares, enfim, em todo e qualquer ele, faz-se necessário um imenso desejo de querer “segurar”, de manter a relação para que ela cresça e frutifique. Para tanto, há que ter-se paciência, compreensão, renúncia e perdão mútuos. Pois, se não investirmos nos nossos relacionamentos, inexoravelmente, a solidão invadirá nossas vidas. Em suma, temos que “segurar bem a aseia do balde”, porque sozinho(a) “a vida é muito mais difícil”.
Meu carinho para todos, Laura Lucia
*Nome fictício, para evitar identificação.
**Termo popular usado no lugar de aselha: pequena asa ou alça.
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